Wednesday, November 22, 2006

Project

Entraram na casa com um buraco no tecto. Ali, perto da janela na parede da direita, um homem, deitado, respirava ofegantemente. Tinha a mão encostada na barriga, cheia de sangue. A sua vida expirava a cada ofegar. Simplesmente perturbador.
- «Quem é?» – Treme a voz de Sebastian.
- «Um soldado. Inglês.» - Responde secamente a morte.
- «E vai morrer brevemente?» – olhando directamente para a morte.
- «Muito brevemente. Estou cá para leva-lo.»
- «Então o sofrimento vai acabar…» – fala Sebastian, de olhar triste para o homem.
- «Depende.» - Diz a morte, parecendo entretido com a presunções do rapaz.
- «Do que?» – voltando a olhar directamente para a morte.
- «Do caminho que ele escolher no outro mundo. Tal como tu.» - Com um sorriso na cara.
- «Afinal á regras.» - Responde de nariz empinado.
- «Tal como em tudo, alma inquisidora. Tenho um trabalho a acabar.» - Colocando uma cara seria, enquanto as chamas da sua lanterna iluminam as suas feições naquela sala em penumbra,
Aproximamo-nos do soldado, ficamos ali algum tempo a olhar para ele. A morte olhava frequentemente para o relógio prateado dele.
- «Já está a atrasar-me. Este é resistente.» - Diz ele irritado.
- «Se calhar não quer morrer.»
- «Não tem escolha. Já está na lista. Só parando a bala que o atingiu seria possível.» - Como que insultado pelo comentário.
- «E seria possível? Fazê-lo?»
- «Se tivesses uma autorização, talvez. Mas porque é que alguém quereria atrasar a sua hora. Foi escolhida por ele mesmo.» - Voltando a parecer entretido com o rapaz.
- «Ele escolheu a sua própria hora da morte?» – completamente espantado e com um tom de descrédito.
- «Sim. Sabes de uma coisa chamada Carma?» – respondendo com contundência ao descrédito.
- «Ouvi falar qualquer coisa.» - Fazendo um esforço por se lembrar de um livro que leu.
- «A cada reencarnação da alma, ou força da vida, como lhe quiseres chamar, essa mesma alma tem a possibilidade de escolher todas as particularidades da sua própria vida. Normalmente, solta a alma dos sentimentos inseguros da sua carnalidade, ela quer se colocar em situações difíceis e diferentes. Desafios.» - Narra a morte enquanto olha atentamente, procurando uma reacção de Sebastian.
- «Então tudo o que me acontece foi escolhido por mim.» - Tentando perceber de alguma forma.
- «De uma certa forma. Não és bem tu, mas sim a força de vida de que de ti faz parte.»
- «Mas…»
- «Shhh! Já aconteceu. Podemos ir.» - Cortando a próxima pergunta de Sebastian.
O homem parara de respirar. Tinha uma expressão sofrida na cara.
- «Para onde foi?»
- «Foi directo pelo túnel para o outro mundo.» - Riscando o nome do morto da lista.
- «Então… mas eu não fui assim.» - Diz ele sem perceber.
- «Mas tu és diferente. Pára de fazer perguntas! Tenho mais nomes na lista. Sabes o que me acontecerá se me atrasar?! Nem quero imaginar.» - Com uma ponta de irritação.
- «Irónico. A morte vive com medo de atrasos, enquanto os humanos vivem com medo da tua pontualidade.» - Com um sorriso irónico.
- «Engraçadinho. Deus iria gostar de ti. Ele gosta de ser entretido.» - Com um tom sarcástico.
- «Espero conhecê-lo.» - Diz Sebastian, sorrindo.
Naquele momento, uma luz abriu-se na parede da casa e seguiram por ela. Mais um túnel de luz.
- «Qual será a próxima paragem.» - Pensava Sebastian – «A próxima morte. É tudo tão mórbido mas ao mesmo tempo incrível interessante.» - Não contendo a excitação da sua expressão.
No túnel foi um ápice. Estavam agora no meio do mar, na proa de um barco fumarento, parecia estar qualquer coisa a arder porque cheirava intensamente a queimado, mas um queimado diferente, parecia carne queimada.
- «Estamos onde agora?» – inquire Sebastian.
- «No alto mar, perto da costa espanhola.»
Com um olhar mais cuidado percebe se que o cheiro é da carne queimada de corpos que se encontram espalhados pelo navio. Chamas intensas queimam a parte lateral esquerda da nave do navio, vítima de tiros de canhão provenientes de um barco que se avizinha a pouca distância.
- «Diz me uma coisa. Estamos a viajar em diferentes épocas do tempo? Como é isso possível? Não que desde que morri ache alguma coisa surpreendente porque tem acontecido muitas coisas estranhas.» - Pergunta com cuidado, como que já com a perguntar pensada à muito.
- «Será difícil explicar os conteúdos dos mistérios do tempo e espaço a uma força de vida básica.» - Franzindo o sobre olho.
- «Tenta. Por favor.» - Com uma expressão de suplica.
- «Muito bem. Na verdade, o além, e por consequente todas as entidades em si constituídas, não habitam em linha do tempo alguma. Isto é, vivem fora da linha do tempo, não restritas pelas suas regras temporais e espaciais.» - Olhando o relógio prateado.
- «Fascinante.»
- «Deveras. Não existe tempo para nós, entidades espirituais cósmicas. Apenas existimos e realizamos o nosso propósito. A nossa, digamos, missão. Obviamente que como não temos as regras do tempo também não temos as regras do espaço. O local pouco importa, porque existimos e todo o lado.»
- «Omnipresentes e infinitos?» – estranhamente serena com a nova informação.
- «Exactamente. Em qualquer linha do tempo.»
- «Também são omniscientes? Sabem de tudo?» – não escondendo a curiosidade.
- «Hum, depende. Algumas entidades são, outras não. Outras, como eu, são parcialmente omniscientes, no nosso plano somos totalmente omniscientes. Sei quem morre, sinto as suas mortes todos os momentos. Sei os porquês e os senãos. Nesse plano sou mestre.» - Com uma pose de orgulho.
- «Nunca sequer imaginei.» - De olhar vago num barril a flutuar no mar.
- «Nem sequer podias. Mas atenção agora. A vida do homem que vimos buscar está prestes a findar.» - Pegando na lista.
Nesse momento um grito ecoa pelo barco. Um homem, trespassado por uma espada cai de joelhos. A sua bandeira a espanhola, o seu destino já escolhido.
- «Podemos ir então.» - Diz a morte, levantando a lanterna ao nível da cara.
- «Ainda não percebi qual a tua interacção com tudo isto.» - Depressa arrependendo se de ter proferido as palavras.
- «Eu? Eu sou o árbitro da morte. Quem a decide e quem a torna possível.» - Em desafio.
- «Mas nem sequer lhes tocas.» - Continuando a pergunta.
- «Vocês e as vossas perguntas. Não necessito tocar em nada. Eles nem sequer nos vêem, para eles não existimos de todo. Só me encontro aqui para me certificar que acontece. Se eu não estiver por perto a morte não acontece.» - Irritado pela necessidade de explicação.
- «Então simplesmente sendo a testemunha a morte acontece?»
- «Algo assim.» - Trocando rapidamente de assunto.Seguiram novamente pelo túnel, de encontro a outro evento